Europeus defendem o direito de ser esquecido na internet
Por que duas culturas ocidentais, de lados opostos do Atlântico, têm visões tão diferentes sobre privacidade na Web?
Um quarto de século após se mudar para os Estados Unidos, Franz Werro, 54 anos, ainda pensa como um europeu. Nascido e criado na Suiça, o professor de direito da Universidade de Georgetown acha problemático quando anúncios em francês aparecem automaticamente no seu laptop americano. O computador presume que isso é o que ele quer. Vivemos nus na internet – e Werro sabe disso –, em um admirável mundo novo onde as nossas pegadas virtuais tem vida eterna.
Digite o seu nome no Google e você pode tropeçar em fotos suas bêbado na faculdade, uma citação equivocada dada a um repórter há cinco anos, registros de tribunais, antigos comentários deixados em um blog durante a madrugada e um perfil no Orkut desatualizado … a lista é longa. Existe um mar de dados que permite a qualquer pessoa criar um perfil de quem você é a partir de uma simples pesquisa online, seja essa pessoa um amigo, comerciante, ou empregador em potencial. Os alunos norte-americanos de Werro não parecem se importar com isso.
Mas os EUA não são a Europa, e apesar de vivermos na era do WikiLeaks, a Europa quer transformar em lei um direito especial à privacidade. Os indivíduos devem, de acordo com os europeus, ter o que chamam de “o direito de serem esquecidos” na internet.
A evolução da privacidade na Rede
Mas isso é possível? Este “direito em desenvolvimento”, sugerem as autoridades em vários países europeus, permitiria que um indivíduo controlasse e às vezes até apagasse seus dados, ou que ele pedisse ao Google para remover determinados resultados de pesquisas, como por exemplo um artigo de um jornal que o tenha retratado de maneira desagradável. Uma rápida avaliação de eventos recentes noticiados em jornais indica que a discussão sobre esse “direito” se tornará muito relevante em 2011.
Em 19 de janeiro, o Google recusou um pedido da Espanha para remover 90 links do seu buscador. Muitos dos links que a Espanha queria apagar eram artigos de jornais e outros documentos públicos que retratavam o país de maneira negativa. Em sua resposta oficial, o Google considerou o pedido da Espanha “decepcionante” e ressaltou que, como uma ferramenta de buscas, a empresa não deve ser responsável pela fiscalização do conteúdo na Internet. A remoção dos links seria caro, o Google alegou, e violaria a “objetividade” das pesquisas.
Em novembro passado, a União Europeia anunciou metas de proteção de dados na internet para 2011, que incluem “esclarecer o chamado direito de ser esquecido”, ou seja, “o direito dos indivíduos de terem seus dados excluídos quando essas informações não são mais necessárias para fins legítimos”. A UE disse explicitamente que os usuários devem ter esse direito. O assunto foi muito discutido e elogiado em países como a França, onde o presidente Sarkozy disse no ano passado: “regulamentação da internet para corrigir os excessos e abusos decorrentes da ausência total de regras é um imperativo moral”. A liderança da França na próxima cúpula do G8 sugere que o assunto será discutido no cenário internacional.
O direito de deletar
Estas preocupações europeias raramente surgem nos Estados Unidos. Os norte-americanos podem até se preocupar com as configurações de privacidade do Facebook, mas poucos acreditam que um indivíduo deveria ter o direito de apagar do Google informações que considera ofensivas. Mas afinal, quem deve decidir? Uma pessoa pode querer remover uma foto embaraçosa do Google, mas e se quatro outras pessoas aparecem nessa mesma foto? Eis que surge o fantasma da censura. A quem pertence o direito de deletar? E por que europeus e norte-americanos veem a questão de maneiras tão diferentes?
Na Europa, a ideia de que a privacidade é mais importante que a liberdade de expressão não é novidade. O próprio professor Werro explicou essa diferença histórica em uma tese acadêmica de 2009, apontando para um caso na Suiça ocorrido em 1983. Uma TV suíça havia planejado exibir um documentário sobre um criminoso dos anos 30. A Justiça suíça, no entanto, proibiu a exibição do programa depois que um tribunal europeu declarou que o documentário violaria o direito de privacidade do filho do criminoso.
Disputas recentes
Nos últimos anos, confrontos transatlânticos sobre privacidade têm questionado o uso do Google Street View na Alemanha, Suíça, República Checa e outros países europeus. Criminosos alemães processaram a Wikipedia em 2009 para tirar seus nomes de páginas. Pouco menos de um ano atrás, um tribunal italiano processou o Google por permitir que um usuário postasse um vídeo ofensivo. O fato de que muitas das empresas na internet, como o Facebook e o Google, estão localizadas nos Estados Unidos (onde, como Werro diz, há uma “fetichização” da Primeira Emenda constitucional que prescreve a liberdade de expressão) cria mais problemas para os tribunais. Nos EUA, o direito implícito à privacidade sempre caiu por terra quando esbarrou na Primeira Emenda.
“Os norte-americanos ditam as regras nos EUA, mas deveriam eles poder impor suas leis no resto do planeta?”, questiona Werro. “Eu me pergunto às vezes se o conceito europeu de privacidade está sendo deixado para trás”.
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