segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Besteirol, onde o politicamente correto não tem vez

Nascido no teatro, o gênero ganha remontagens de espetáculos, exposição e reprise do seu melhor exemplar na televisão. Por Solange Noronha


No princípio, era a comédia. Depois, veio o besteirol — que virou gênero teatral, invadiu a televisão, foi tema de livros e até de tese de mestrado. Anos mais tarde, disseram que ele havia morrido — talvez assassinado impiedosamente por um tal de PC, bandido de alta periculosidade que anda solto por aí e não se esconde. Pelo contrário, pode ser encontrado em lugares insuspeitados e, por trás da alcunha, tem nome e sobrenome: Politicamente Correto. 

Para quem não conhece o insidioso elemento, aqui vai a característica mais marcante de seu retrato falado: PC é muito parecido com sua prima (bem mais velha, mas facilmente reconhecível), a Censura. Um de seus ataques mais violentos — perpetrado à época das últimas eleições, em conluio com a temível parente — foi amplamente divulgado. Já as suas ameaças são constantes — mas só algumas chegam ao noticiário, como a que foi feita à personagem enfermeira de Glória Pires em “Insensato coração”, novela de Gilberto Braga e José Linhares que mal estreou. Pensando bem, isso é besteirol da melhor qualidade! Renderia uma peça inteira de esquetes com várias categorias profissionais indignadas e destituídas de humor. 

A boa notícia é que o PC não conseguiu matar o besteirol. Ele está vivo, passa bem e pode ser visto em muitos lugares atualmente. No Rio, juntamente com a remontagem de “Solidão, a comédia”, de Vicente Pereira, ganhou até uma exposição no Teatro Cândido Mendes em forma de árvore genealógica, nas palavras do curador Luís Francisco Wasilewski, um expert no assunto. No Teatro dos Quatro, na Gávea, “Subversões“ também voltou a fazer rir esta semana, agora com o número 21 incluído no título, para marcar a idade do espetáculo — já modificado seis vezes ao longo de todos esses anos, para se manter atual. Aqui, o forte são as paródias musicais — e, à exceção das enfermeiras, não escapa ninguém das gozações feitas por Márcia Cabrita, Luis Salem e Aloísio de Abreu. 

O melhor dessa vertente da comédia está justamente nas referências da vida cotidiana e — como escreveu o autor e diretor teatral Flávio Marinho no livro “Quem tem medo do besteirol?” — no seu “humor inteligente, que exige da plateia certa dose de informação”. 

Refrigério aos sábados

Também na televisão o gênero teve seu período áureo — e quem não o conheceu tem a chance de ser apresentado a ele no Viva. O canal por assinatura, da Globosat, ainda parece estar tateando em busca da grade ideal e passa muita chorumela enquanto não se acerta. Nessa bagunça, o pior de tudo são as reprises de programas recém-exibidos em outras emissoras da rede — especialmente Globo e GNT — e filmes B pra lá de rodados — que acabam de espantar o espectador mais exigente por serem sempre dublados e sem o recurso da tecla SAP (a chamada da sessão, estilo me engana que eu gosto, diz que o público que não lê legendas, na verdade, precisa descansar. Vai ver importaram essa preguiça dos Estados Unidos, sei lá). 

Mas nem tudo está perdido. Pelo lido e ouvido por aí, a reapresentação de “Vale tudo” foi um acerto. E no sábado, dia em que a programação costuma ser fraquíssima em todos os canais, pagos ou não, o Viva tornou-se um verdadeiro refrigério, exibindo, entre as quatro da tarde e as nove da noite, uma sucessão de antigos humorísticos cujo ponto alto é a “Comédia da vida privada”, com base no fino humor de Luis Fernando Verissimo. 

O horário tornou-se ainda mais atrativo com a recente inclusão de um dos expoentes do “telebesteirol”, o “TV Pirata”, que brincava com tudo o que era exibido na televisão. Como pouca coisa mudou na estrutura dos canais abertos desde 1988, quando o programa estreou, continuam engraçadas as sátiras a comerciais, novelas e atrações jornalísticas, como “Casal telejornal”, “Plantão da Farmácia Central”, “TV macho” e “Campo rural”. 

Criado por Guel Arraes e Cláudio Paiva, o “TV Pirata” contava com uma equipe de roteiristas de peso — que incluía o já citado Verissimo e os futuros integrantes do “Casseta e Planeta” — e atores do porte de Ney Latorraca e Marco Nanini. Foi um sucesso no seu tempo e continua sendo agora — como o próprio besteirol. 

Tomara que esse revival estimule novas criações do gênero. E que o Viva estique ainda mais a sua faixa de humor aos sábados, que termina com o “Sai de baixo” e tem lá seus momentos mais fraquinhos, como o “Sob nova direção”. Uma ótima pedida seria a inclusão de “Sexo frágil” na sequência. No lugar de “descansar” assistindo a filme dublado e reprisado à exaustão, quem aí não prefere ver Wagner Moura, Lázaro Ramos, Lúcio Mauro Filho e Bruno Garcia vivendo situações das mais inusitadas em papeis masculinos e femininos — e sapateando com força e saltos altíssimos na cabeça do PC? 

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