O Supremo negou a extradição do general paraguaio Lino Oviedo pelo mesmo motivo que fez Lula deixar Cesare Battisti ficar por aqui. Por Hugo Souza
No fim do ano passado o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma entrevista com o fundador do site WikiLeaks, o australiano Julian Assange, na qual ele respondeu o seguinte sobre se já havia pensado em pedir asilo no Brasil: “Seria ótimo ter isso oferecido”. Dada a sua posição — a de inimigo não-islâmico número um dos EUA — talvez ele dissesse exatamente isso sobre eventuais propostas de acolhimento por parte de outros países quaisquer. Por outro lado, pelo que tem sido dito sobre a diplomacia brasileira — que vem sendo ideologizada–, talvez fosse mesmo “ótimo” para Assange ficar por aqui.
Ora, se a administração petista protegeu Cesare Battisti porque considerou que o italiano, condenado por assassinato na Itália, é alvo de perseguição política em seu país de origem, o que Lula, e agora Dilma, não fariam por um hacker com fama de antiamericano cuja acusação que lhe pesa é a de não usar preservativos em duas relações sexuais?
O fato é que no Brasil o órgão responsável por processar e julgar as extradições solicitadas por Estados estrangeiros é o Supremo Tribunal Federal. A Lei Federal prevê que nenhuma extradição pode ser concedida sem a anuência do Supremo, e compete ao presidente da República determinar a entrega do extraditando ao país requerente. O processo de extradição de Cesare Battisti no STF, que acaba de ser desarquivado ante o pedido de soltura do italiano, é o de número 1085.
Extradição multinacional
Isto significa que o tribunal já julgou ou tem na pauta muitos outros casos semelhantes. O próprio processo 1084, por exemplo, foi o do francês Frank Garcia, despachado de volta para seu país de origem para responder pelos crimes de roubo de veículos, formação de quadrilha e falsidade ideológica.
Outro caso julgado nos últimos anos pelo Supremo chama a atenção pelo seu caráter, digamos, multinacional: o governo do Uruguai pediu a extradição do israelense Yoram El-Al, que antes de fugir para o Brasil aguardava o julgamento pela Justiça uruguaia de um pedido dos EUA por sua extradição para o território norte-americano. O pedido foi negado pelo STF. O relator do caso, o ex-ministro Joaquim Barbosa, disse o seguinte em seu parecer: “Ora, a Lei 6.815 não prevê a possibilidade de extradição para fins de extradição para outro país”.
O governo do Uruguai entretanto, conseguiu do Brasil a extradição de Gusmán Costa da Rosa, acusado de roubo qualificado. O STF bateu o martelo contra Gusmán no dia 1º de julho do ano passado. Há, entretanto, casos de extradição mais notórios, por assim dizer, julgados pelo Supremo ao longo da história.
De Biggs a Oviedo
Um dos mais famosos destes casos foi o do inglês Ronald Biggs, o lendário criminoso que participou do maior roubo da história da Grã-Bretanha, o chamado “assalto ao trem pagador”, em 1963. O STF negou o pedido de extradição de Biggs feito pela Grã-Bretanha porque na época sua namorada brasileira, Raimunda, estava grávida, e a lei proíbe que estrangeiros que tenham filhos nascidos no Brasil sejam extraditados. Em 2001 ele voltou voluntariamente para a Inglaterra, a bordo de um avião do tabloide The Sun, e em 2009, já moribundo, recebeu indulto do governo britânico.
Já a extradição da cantora mexicana Gloria Trevi, acusada de corrupção e rapto de menores em seu país de origem, foi autorizada pelo STF, no ano 2000, em um caso envolto em polêmicas devido ao fato de Gloria ter engravidado enquanto estava presa na carceragem na Polícia Federal. Outro que, como Biggs, também teve o pedido de extradição negado pelo STF foi o general paraguaio Lino Oviedo. O Supremo entendeu, como Lula sobre Battisti, que o país requerente, no caso, o Paraguai, estava atribuindo a uma pessoa um crime comum (assassinato) para tentar sua extradição, camuflando a suposta finalidade real de perseguição política. Como Biggs, Oviedo acabou voltando de livre e espontânea vontade para sua pátria, onde foi preso assim que desembarcou.
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